Com o vazio da quarentena, as ruas largas de Brasília trazem sua verdadeira dimensão
Texto original publicado na Coluna Conta Giros do Jornal de Brasília.
Em tempos de COVID-19, dirigir é um dos poucos prazeres que ainda temos fora de casa, mesmo que seja só para ir ao mercado.
Brasília é uma cidade horizontalizada, traçada por Lúcio Costa com o cruzamento de uma linha reta e uma curva que ao se cruzarem formam o popular “avião” do Plano Piloto. Junto com seu projeto bucólico e genial, o urbanista concebeu à nova capital amplas avenidas. O Eixão e o Eixo Monumental com suas faixas largas impressionavam. Quando eu era criança falava aos parentes que era “a avenida urbana mais larga do mundo”, não lembro de onde tirei a informação (acho que foi de um Guinness Book antigo), mas espero que seja verdade, porque falei isso para muita gente!
As décadas foram passando e o volume de carros foi se adensando. Entramos na categoria de metrópole, vieram os problemas que chegam com esse título. Um deles, sem dúvida, foi o trânsito. A EPTG (Estrada Parque Taguatinga) virou símbolo de congestionamento. Nem as famosas “tesourinhas” escaparam. A cidade que um dia proporcionou o prazer de dirigir com fluidez por suas amplas avenidas, hoje cai no lugar comum de filas de carros parados em seus horários de pico e, às vezes, até fora dele. São mais de dois milhões de carros circulando todos dias pela Capital Federal!
Aí veio o coronavírus, e nós ficamos trancados em nossas casas. Sair de casa se tornou algo restrito apenas ao que é absolutamente necessário. Na última sexta-feira, precisei fazer compras e, ao sair de casa, às nove da manhã percebi uma EPTG livre, leve e solta. Cruzei o Jóquei para entrar na rodovia Estrutural, que estava sem nenhuma retenção, passei pelo viaduto Ayrton Senna e entrei no Eixo Monumental aberto. Coloquei os 60km/h permitidos, abaixei os vidros e apreciei a paisagem nas faixas largas e livres de uma sexta feira comum. Era a Brasília horizontal de Lucio Costa. Pensei: “Olá Brasília! Quanto tempo!”. Aí estiquei até a Praça dos Três Poderes para curtir a via S1 de ponta a ponta, depois segui para ao meu verdadeiro destino: o supermercado.
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Eixinho Sul em tempos de corona – céu e amplitude. Foto: Aurélio Araújo
Semana passada, um amigo me confessou que entrou no carro com a mulher, percorreu 57 quilômetros e voltou para casa… só para ver o “mundo”. O fato é que, com todo mundo em casa, dirigir por Brasília agora nos remete à Brasília de antigamente. Trânsito leve, espaçoso. E do carro (nesse período de quarentena) conseguimos sentir de novo a cidade que um dia ela foi. Um pequeno escape nessa era (mesmo que curta) da clausura domiciliar.
Em tempos de COVID-19, dirigir é um dos poucos prazeres que ainda temos fora de casa, mesmo que seja só para fazer compras.

Uma Brasília que nos lembra outros tempos… Foto: Aurélio Araújo
